quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

CANSAÇO


O cansaço consome meu corpo
Como um cancro enraivecido,
Destrói ao criar o novo
Ensandecido tecido.
Insidioso qual cobra,
Qual óleo em mim escorrido,
Qual febre que se renova,
Qual tiro sem estampido,
Convolado em epicentro
de centenas de outros sismos.

Cansaço do corpo e d’alma,
Das ilusões juvenis,
Da sensação de que acaba
o tempo de ser feliz.
Cansaço de olhar e ver
O fato de existir,
E de tentar resolver
O que não pode ter fim.

O cansaço me consome
como ácido, corrosivo,
que desce pela garganta
como este ar que respiro
no dia a dia que espanta
os motivos do motivo
e faz-me indagar, no fim,
se é o bastante estar vivo.

PENSAMENTO

Pens
A
Mento
Penso
E
Minto
A
Pensa
Mento
Apenso
Apenas
Penso
E
Sinto.

POEMA ANTIAÉREO

O meu salto
Paralisado no ar
Para sempre interrompido
Impossível de acabar
Prolonga-se indefinidamente
Até que o chamam voar.

O dorso expande-se
O tecido cede
As asas aparecem
E descubro-me anjo.

Conduzo-me no espaço
Afastado de rompantes
De tropéis alucinantes
Na santa paz dos infantes
Despido de qualquer fado.

Mas se o meu vôo, de repente,
redescobre-se salto
redescobre-se passo
redescobre-se homem?

Conduzo-me porque é vasto
Também o chão arredio
A beleza desse rio
Em que mergulho, tão frio,
Para ficar acordado.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Prefácio de Projeto

Meu chocalho de palavras,
Ao teu ouvido balanço,
Se nada te despertar,
Que te sirva de acalanto.

Se não provocar tua ira,
Ao menos te faça manso,
Se não te der alegria,
Que te liberte esse pranto.

Se não durar pela vida,
Que dure só o instante,
Em que tudo que precises,
Tenha o seu exato alcance.

Suspense Non Sense

O suspense dos passos na escada
faz nascer no peito do amante
o desejo de que seja sua amada
e não perdure a ausência um só instante.

Mas o tempo arrasta-se, irritante,
e os passos vêm com mora decretada
galgando mil andares ressoantes
em “plic placs” de ânsia renovada.

De súbito retorce-se na cama
o amante impaciente que reclama
a falta que lhe faz a companheira

Corre à porta que a batida já o chama,
abre-a rápido, mas o amor ali proclama
para o zelador à espera da lixeira.

Passeio

UM DIA A CECILIAR,
TORQUATEANDO CHEGUEI,
AUGUSTO, MAS A CHORAR,
DOS ANJOS ME ACERQUEI.

E ME PUS A PERGUNTAR,
ONDE MORAES EU NÃO SEI,
LEMINSKI A SE DEMARCAR,
COM CRUZ QUE NUNCA CRAVEI.

PESSOA JÁ NÃO SEREI!
QUENTAL A GENTE SONHAR,
PARA CAMÕES TRABALHAR,
ONDE NERUDA PLANTEI?

MAS EU ANDO DEVAGAR,
COMO QUEM SEGUE QUINTANA,
SE UM DIA A CARLOS CHEGAR,
À BANDEIRA MINHA HONRA.

Madrugada

De madrugada, o pavor,
Pavio de vela acesa,
Medo de escuro, o calor
Pesando em minha incerteza.

E o sono que não chegou!
Olhando os ratos nas telhas,
Deito no chão que esfriou,
Sentindo olhares de esguelha.

- Não desafio ninguém nem nada!
- Vade retro satanás!
Grito o mantra protetor.

Rasga mortalha cantou,
No telheiro da igreja,
No momento em que estalou,
Lá em cima o que quer que seja.

Grito o mantra protetor:
- Deus do céu nos proteja!
A vela já se apagou,
E o sono não me chega!

Mas se eu sou um bom menino,
Que de Deus nunca duvidou,
Só o mal perde a peleja,
Que não sei quem começou.

- Viva os noivos sem pano sem linha e sem agulha!
Grito o mantra protetor.

De repente, funcionou!
Um milagre me corteja:
Foi o dia que raiou
Na manhã mais benfazeja.

Fragmento de Confissão

Quando era menino jogava cubos de gelo ao sol somente para vê-los derreter...
E via a água aflorar lentamente da superfície dura e escorrer para o chão à guisa de sangue perdido em grave hemorragia...
Sem direito à transfusão, eu os via se acabarem agonizantes, daquele pequeno ato de crueldade ignorantes.
Agora, adulto, falta-me o verso, mas não o sentimento...
Pois sei que vida afora, em cada instante,
Ainda quantos cubos jogamos ao relento!

Cemitério

As sebes do cemitério
guardam a única certeza
que é um grande mistério.