terça-feira, 18 de abril de 2017

Carpintaria nietzschiana

A filosofia do martelo
se abate sobre a cabeça
de quem o ego nega ser prego,
ou pretende que se esqueça.

Ela diz: pensa por ti mesmo!
sem divina luz anterior
ou cego preconceito,
sem receita para aliviar a dor.

A dor é possível, se passível for.
Ser passivo nunca é bom,
melhor passável qual ator

que interpreta e desvenda o dom
que é a vida; complô,
se não lhe damos nosso tom.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Pequena lei da física humana

Quem não faz
apenas vê
o que nos podem fazer.
Não escolher é escolha.
Omitir-se é uma ação.
E o arbítrio também é livre
para a indecisão.
Mas lembre-se, no papel a escolher,
carroça, burro ou patrão,
a rédea, na mão alheia,
controla sua direção.

Flagrante de um chapéu

Vi ontem um chapéu no chão,
conduzido pelo vento.
Não imagino quem seja
o dono, nem o pretendo.

Prefiro inventar histórias
de onde possa ter saído.
Participado de glórias,
histórias tristes vivido?

Trancafiado na caixa
antes que alguém o tirasse,
fibras de mole tecido,
em que cabeça pousaste?

Terá ido a uma festa,
ou foi de alguém que não quis,
sombra à cabeça do asceta
ou de um qualquer infeliz?

Acenou para a mulher,
que não o viu por um triz,
ou foi apanhado no abraço
caliente da meretriz?

De onde veio?
Pra onde vai?
Rodopiando no mundo
qual navio em muitos cais.

Terá o chapéu o destino
daqueles que o carregam
perdidos, sem rumo e tino
que à sorte pura se entregam?

Ou ele é que trilha e marca
a sorte dos que são donos,
como só quem pune a mágoa
de uma vida de abandono?

Eu já não posso saber.
Apenas o vi ao vento,
tangido sem pretender
ser eterno o seu momento
antes de ir se perder.

terça-feira, 28 de março de 2017

Catarse

Se não consegue, segue.
Se não atura, atira
a poesia à altura
em que se enxerga a vida.
Se não viver, que viva,
não tem que ser só vivo.
Se não possui, sua
até ter possuído.
Pois a palavra é pura
e a poesia fia
o criador e a cor
que a criatura mira .

segunda-feira, 27 de março de 2017

Xadrez

peão contra peão na vanguarda
tensa e descartável, emulando
a dinâmica incansável da batalha,
“mens sana in” tabuleiro insano.

cenário em que se vai sacrificando
soldados de uma peça que se racha,
rude, no início, mas os santos
se esculpem dessa mesma acha.

e a tática visão já não se basta
se vem, no fim, relampejando
o apuro de um tempo que massacra.

a dizer ao artífice mais humano
não basta seguir imaginando
que tudo se resolve em uma jogada.