terça-feira, 12 de maio de 2015

Instantâneo impermanente

Diz-se que a fotografia
é um instantâneo fiel,
mas quase nunca alivia
examinar seu papel.

Nada me diz o que vejo,
não me lembra o que vivi.
E ao olhar o espelho
eu mesmo não percebi.

Que neste momento exato,
já sou outro ser humano;
em cada segundo mudado,
exceto em seguir mudando.

terça-feira, 5 de maio de 2015

A boca que habita o verso

O hálito habita a boca.
Habitam a boca os dentes.
Os dentes circundam a língua,
a língua móvel na gente.

A gengiva habita a boca.
Habita um céu sem estrelas.
Há saliva boca adentro
e boca afora há poeira.

Habita a boca a palavra,
escorregando da mente.
É sempre de sua lavra
falar a palavra, urgente.

Habita a boca a lembrança
do beijo e do queijo bons.
Habita a boca o remédio,
o desagrado e seus tons.

Habita a boca a recusa.
Fechada não entra mosca.
Aberta não é reclusa.
A boca, banguela, é oca.

O sopro que a habita
apaga o fogo da vela
e é o sopro que atiça
a centelha mais singela.

Habita a boca o reclamo
se algo vem nos ferir,
Mas se escancara em derramo
para o que a faz sorrir.

A boca que tem berrado,
sussurra bem de mais perto
e beija no rosto amado
e cospe no desafeto.

Habita a boca o espanto,
o beijo de mãe que cura,
toda a beleza do canto
e o nascer da leitura.

Habita a boca a bebida.
Com muita sede, secura.
Nas refeições, a comida
que ela acolhe e tritura.

Habita a boca o espirro,
a tosse desde o pulmão,
mas também há o suspiro
de saudade ou de paixão.

Verborragia é tão fácil,
difícil é parar assim.
À boca, então, o epitáfio:
calou somente no fim.