terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Soneto da Filha Adormecida


Todas as noites vejo o rosto sereno
E a respiração calma que a veste
Olhando para tudo e percebendo
Apenas onde pousa tão celeste.

E na penumbra do quarto compreendo
Que existe algo concreto como o ar
A invadir os pulmões em sorvo ameno
Como o ato vital de respirar.

Mas para bem dizê-lo falta à pena
Apreender o mais puro sentimento
Que surge, por encanto, dessa cena.

Pois quanto mais a diviso menos tento
Entender esse amor que se contenta
Apenas com a beleza do momento.

Redoma

Dentro dessa redoma
De um vidro fosco e sujo
Respingado pela lama
Fujo, fujo, fujo, fujo.

Mas volto ao centro de tudo
Se vou de encontro ao vidro
Barra-me a fuga e, confuso,
Fico, fico, fico, fico.

Já não sei o que se passa
Nessa redoma invencível ,
Mas é a vida, mais nada,
E vivo, vivo, vivo, vivo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Quero Ignorado (Fernando Pessoa na veia)

Gravura de João Luiz Roth

Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.

Aos que a riqueza toca
O ouro irrita a pele.
Aos que a fama bafeja
Embacia-se a vida.

Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada 'spera
Tudo que vem é grato.

Fernando Pessoa