domingo, 24 de abril de 2011

Anticlímax

O suspense,
que pende,
suspende a vida.

E a ansiedade,
nesta idade,
nos instiga.

Mas a expectativa,
e sua aspereza,
aumentam o prazer que cativa.

Fazem o sangue correr
na veia ativa.
A pulsação incontida,
querendo briga.

Se durasse para sempre
esse clímax
e sua beleza.

Se desse pra segurar
esse sem fôlego,
sem fim, de chama acesa.

Nunca seria o fim de tudo
o pior de toda surpresa.
A revelação, enfim,
à sua presa.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Perspectiva da Rosa


A rosa emula a vida.
Um corte transversal
em tanta beleza e aroma
e encontro, por fim,
os espinhos.
Mas todo jardineiro sabe 

que é preciso podá-los primeiro.
Só assim há de sobrar a rosa
em sua melhor perspectiva.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Sísifo redivivo


Não quero viver em agonia,
mas qual o propósito do viver?
Pagar as contas sempre em dia
esperando algo acontecer?

Ao estudar conseguirei o guia
de tudo quanto possa se saber?
E que finalidade propicia
se, no fim, todos vão morrer?

Quisera perder a fé na minha razão,
marionete preso pela corda,
cego na caverna de Platão.

Quisera só viver, mas apavora,
pensar que tudo é só repetição:
pagar as contas e contar as horas.

terça-feira, 22 de março de 2011

poema pasargadiano

quero um dia
de paz
que não me custe nada,
nem mesmo este pensamento.

que seja totalmente vazio
de todo e qualquer momento,
inimputável, incapaz,
incomunicável, lento.

quero um dia
de eterna duração,
sem culpa, sem agonia,
sem pecado, sem perdão.

quero um dia atemporal
com tempo pra fazer tudo,
menos contar os segundos
que faltam pra ser normal.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cinco Minutos


Cinco minutos, apenas. Cinco minutos para escrever tudo o que lhe viesse à cabeça antes que o professor acionasse uma vez mais o cronômetro, encerrando as atividades da aula de produção textual. 
Mas nada lhe vinha à cabeça. Nesses momentos cruciais, quando a pressão descambava para o fatídico tudo ou nada, sentia-se invadido por um silêncio desconcertante. Um bloqueio absoluto, como se fosse deliberado fruto de meditação praticada anos a fio.
Ao olhar os padrões incertos dos ladrilhos da parede, conseguiu lembrar-se apenas da bandeira do Nepal: lua e sol tremulando na estranha flâmula bicúspide, forma incomum entre as bandeiras quadrilaterais do atlas escolar. O sol parecia brilhar com toda a força de seu lume, mas sempre lhe parecera estranho que houvesse tal calor na cordilheira do himalaia. Como sempre, tentou desvencilhar-se da visão etnocentrista, mas sem sucesso. No fundo, pensava que tal força solar combinava com os trópicos, florestas equatoriais, sertão seco e rachado, praias lotadas do verão brasileiro e não conseguia imaginar tais cenas protagonizadas no clima nepalês, que imaginava inóspito.
Tentou se concentrar na atividade. Poderia escrever tantas coisas, a começar pelos motivos que o levaram àquele curso de escrita literária. Mas embora pudesse parecer óbvio a todos, sentiria vergonha ao explicitar o sonho de tornar-se um escritor. Parecia uma tarefa tão grande, como se uma criança se dispusesse a escalar o Everest com equipamentos de brinquedo. Uma ridicularia, uma pretensão que mesmo em seu íntimo mantinha-se sem forma exata; espírito vagando no limbo do pensamento.
Balançou a cabeça como se espantasse um inseto incômodo. Tornou a olhar o papel branco. O bocal da caneta, já roto pela fricção de dentes ansiosos, parecia um chapéu enfiado no cocuruto de alguém ridiculamente magro. Pensou em uma descrição, estrias que desciam elegantes até a ponta minúscula e esférica, grávida de tinta azul, mas também desistiu, tomado pelo medo de que sua ode a uma caneta esferográfica pudesse ser ridicularizada pelos colegas.
Refletiu, enfim, que não importava. Que era preciso de coragem para escrever o que fosse e que, mesmo assim, o escritor penderia sob a espada de Dâmocles. Era o pensamento alheio, que o aterrorizava, o obstáculo que precisava transpor. Assim pensando, decidiu-se. Um dia escreveria o que lhe passava pela alma, aventuras empolgantes e guerras cruentas. Hoje escreveria sobre aquela caneta que tremulava entre os dedos que lhe faziam pinça. Observou-a mais de perto, tomou notas mentais do que diria e pressionou a ponta delicadamente sobre a primeira linha do papel. Finamente escreveria.
Nesse mesmo instante um som agudo estremeceu sua resolução. Soara a campainha que anunciava o fim do tempo e da aula. Invadido por um misto de alívio e frustração, deixou o objeto de sua obra morrer sobre a mesinha de apoio. Haveria tempo, pensou, outras oportunidades viriam. E foi embora, já ansiando pela próxima aula, lamentando que só viessem, no dia seguinte, os próximos cinco minutos em que, finalmente, teria alguma coisa a dizer.