quarta-feira, 18 de março de 2009

GARIMPO

É tempo de levar para longe
O que há de velho no horizonte
E fazer a prospecção dentro de nós,
Em que a escura noite grita sem ter voz.

Que esse garimpo intestino, de noss’alma
Presa entre escombros de tudo,
Não silencie ante a covardia que acalma
Antes do próximo absurdo.

Redescobrir a gema preciosa no gesto
De acolher a mão que pede como irmã
E reconhecer no olho o brilho do afeto,
Do afeto que nos traz a face sã.

É a única salvação para a humanidade
Olvidar os tesouros ilusórios, fome vã,
E ficar com os frutos da eternidade,
O simples abraço que ganhei esta manhã.

Não somos gente pelo que temos em nossa canastra
Nem pelo documento que carregamos no bolso
A cidadania é a ficção científica da canalha
Enquanto é imolado o ser humano o tempo todo.

sábado, 7 de março de 2009

BIODIVERSIDADE (do poeta Paulo Henriques de Britto)



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Há maneiras mais fáceis de se expor ao ridículo,
que não requerem prática, oficina, suor.
Maneiras mais simpáticas de pagar mico
e dizer olha eu aqui, sou único, me amem por favor.

Porém há quem se preste a esse papel esdrúxulo,
como há quem não se vexe de ler e decifrar
essas palavras bestas estrebuchando inúteis,
cágados com as quatro patas viradas pro ar.

Então essa fala esquisita, aparentemente anárquica,
de repente é mais que isso, é uma voz, talvez,
do outro lado da linha formigando de estática,
dizendo algo mais que testando, testando, um dois três,

câmbio? Quem sabe esses cascos invertidos,
incapazes de reassumir a posição natural,
não são na verdade uma outra forma de vida,
tipo um ramo alternativo do reino animal?

Paulo Henriques de Britto, poeta brasileiro (n. 1951), poema do seu livro Macau, Ed. Companhia das Letras.