Como escreveu Mário Quintana: [...] Um poema não é para te distraíres como com essas imagens mutantes dos caleidoscópios. Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe Um poema não é também quando paras no fim porque um verdadeiro poema continua sempre... Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras!
terça-feira, 19 de maio de 2009
Pintura
Sabe aquele quadro na parede da sala
De um barquinho, na paisagem, esmaecido?
Temo o que pode ter acontecido
Se um dia houver prosseguido sua viagem.
É que o mar está revolto e tudo em volta
Embota-se ante a fúria primitiva
E o céu mostra uma única gaivota
Que não tem onde pousar, pois voa aflita.
O sol já vai cedendo ao negrume
Em sinal de que a noite logo vem
A intempérie castigando os que têm
Apenas os relâmpagos como lume.
A chuva atravessa a noite fria
E se abate, como corvo agourento,
Sobre o barco que aderna com o vento,
Arrastando-o em extrema agonia.
De minha cama imagino os movimentos.
Ansioso, fico tenso, sem dormir,
Em sopesar a sina que o mau tempo
Reservou para o barco em seu porvir.
Mas vencido de cansaço e de terror
Cerro os olhos pela madrugada
Esquecido, finalmente , em meu torpor,
Da tragédia que se abate em minha sala.
Porém, mal entra o sol pela janela
Assombrando o repouso tão culpado
Compelido, de meu sono sou levado
A observar destroços pela tela.
Corro até a sala. Enganara-me!
Na parede o mesmo barco a navegar
O sol não se punha, mas raiava,
E a gaivota avistara onde pousar.
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