e o que não é,
existe um mundo inteiro
de possibilidades que
levam a destinos diferentes
do que no início se quer.
e ser resiliente
não é permanecer
em uma única trilha
para sempre;
mas não esquecer
dos outros caminhos
que te pertencem.
Como escreveu Mário Quintana: [...] Um poema não é para te distraíres como com essas imagens mutantes dos caleidoscópios. Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe Um poema não é também quando paras no fim porque um verdadeiro poema continua sempre... Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras!
e ser resiliente
não é permanecer
em uma única trilha
para sempre;
mas não esquecer
dos outros caminhos
que te pertencem.
Não existe mais lucidez, artigo raro e preciso.
Os fatos não são cabais, pois em versões convertidos.
O dia a dia envolvido em tempestade infinita
E o sentir, soterrado, na enxurrada desliza.
É a dialética imposta, como comum, nessa vida:
Há os que ficam calados, só esperando a batida,
Enquanto outros invadem, com fome de precipício,
A sufocar os demais, como se fosse um alívio.
Mas sei que alguém gritará, quando soarem os tiros.
Será a voz sem descanso, quando partirem pra cima.
E quando a luz apagar, o que acende o motivo.
Pois, mesmo depois do fim, o ser humano é o princípio
De uma mensagem que fica, até depois de esquecida,
Como arredio fantasma, depois de um homicídio.
Já não era tudo
O vazio que assusta;
Já não era nada
Toda aquela luta.
A perspectiva aprendi
desde cedo:
Estar vivo
Mesmo a esmo.
Estou certo, acertando o erro
Estou cego, enxergando o nulo
Estou perto, afastando o elo
Estou sério, de riso profundo.
Estou louco, pelo que enxergo
Estou bélico, que a paz adulo
Estou prático, pelo meu discurso
Estou prosa, de entrar no verso.
E sou eu o culpado único
E recuo, ao mesmo tempo uno
E abraço, em busca do remédio
E recluso, enquanto espero o outro
Mas sou outro, com o mesmo ego
Tão fugaz, quanto ser eterno.
O que importa para a arte é a vida.
Na verdade, a vida é pura arte.
A arte-conceito de quem não duvida
do absurdo que se chama realidade.
Cada um de nós, uma instalação
de dores, de cores, dons, possibilidades;
às vezes alguém, prestando atenção,
enxerga através do filtro da verdade.
Somos pinturas, livros, poesias.
Somos esculturas, culturas, mensagens
nos grafites dos muros urbanos,
desenhos gigantes nas paragens.
Rupestres, pedestres, estranhos,
iguais, desiguais, lutos, postagens,
mais parecidos do que pensamos,
menos humanos, mais personagens.
"A tolice insiste sempre, e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Nossos concidadãos, a esse respeito, eram como todo mundo: pensavam em si próprios. Em outras palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos. O flagelo não está à altura do homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um sonho mau que vai passar. Mas nem sempre ele passa e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam, e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram suas precauções. Nossos concidadãos não eram mais culpados que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, os deslocamentos e as discussões? Julgavam-se livres, e nunca alguém será livre enquanto houver flagelos.
Mesmo depois de o Dr. Rieux ter reconhecido, diante do amigo, que um punhado de doentes dispersos acabavam de morrer da peste, sem aviso, o perigo continuava irreal para ele. Simplesmente, quando se é médico, faz-se uma ideia da dor e tem-se um pouco mais de imaginação. Ao olhar pela janela sua cidade que não mudara, era com dificuldade que Rieux sentia nascer dentro de si esse ligeiro temor diante do futuro, que se chama inquietação. Ele procurava reunir no seu espírito o que sabia sobre a doença. Flutuavam números na sua memória, e dizia a si próprio que umas três dezenas de pestes que a história conheceu tinham feito perto de cem milhões de mortos. Mas que são cem milhões de mortos? Quando se fez a guerra, já é muito saber o que é um morto. E já que um homem morto só tem significado se o vemos morrer, cem milhões de cadáveres semeados através da história esfumaçam-se na imaginação. O médico lembrava-se da peste de Constantinopla, que, segundo Procópio, tinha feito dez mil vítimas em um só dia. Dez mil mortos são cinco vezes o público de um grande cinema. Aí está o que se deveria fazer. Juntam-se as pessoas à saída de cinco cinemas para conduzi-las a uma praça da cidade e fazê-las morrer aos montes para se compreender alguma coisa. Ao menos, poder-se-iam colocar alguns rostos conhecidos nesse amontoado anônimo Mas, naturalmente, isso é impossível de realizar, e depois, quem conhece dez mil rostos?"
Albert Camus (1913-1960), filósofo e escritor franco-argelino, em seu livro "A peste".
"Eu não construo os episódios da tua vida; assisto a eles e julgo-os placidamente... Sem que eu me mova, nem intervenha influência sobrenatural - tu podes ainda descer a misérias mais torvas, ou elevar-te aos rendosos paraísos da terra e ser diretor de um Banco... Isso depende meramente de ti, e do teu esforço de homem... Escuta ainda! Perguntavas-me, há pouco, se eu me não lembrava do teu rosto... Eu pergunto-te agora se não te lembras da minha voz... Eu não sou Jesus de Nazaré, nem outro deus criado pelos homens... Sou anterior aos deuses transitórios; eles dentro em mim nascem; dentro em mim duram; dentro em mim se transformam; dentro em mim se dissolvem; e eternamente permaneço em torno deles e superior a eles, concebendo-os e desfazendo-os, no perpétuo esforço de realizar fora de mim o deus absoluto que em mim sinto. Chamo-me consciência;".
Eça de Queirós, escritor português (1845-1900), em sua obra "A Relíquia".
Sei que o mundo já não é o mesmo.
Já não andamos, por aí, a esmo;
afastados da antiga vida.
Mas errado é pensar que ia
tudo ter um diverso termo
quando antes, já um outro enredo
nos tornava a vida mais vazia.
Outro vírus nos fazia ilha
forma ambígua de isolamento
convertendo todos os momentos
em escolha livre e egoísta.
E se o mal existe, já existia,
modulado no comportamento
que isola o ser humano há tempos,
pouco amor; essa é a pandemia.