quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cinco Minutos


Cinco minutos, apenas. Cinco minutos para escrever tudo o que lhe viesse à cabeça antes que o professor acionasse uma vez mais o cronômetro, encerrando as atividades da aula de produção textual. 
Mas nada lhe vinha à cabeça. Nesses momentos cruciais, quando a pressão descambava para o fatídico tudo ou nada, sentia-se invadido por um silêncio desconcertante. Um bloqueio absoluto, como se fosse deliberado fruto de meditação praticada anos a fio.
Ao olhar os padrões incertos dos ladrilhos da parede, conseguiu lembrar-se apenas da bandeira do Nepal: lua e sol tremulando na estranha flâmula bicúspide, forma incomum entre as bandeiras quadrilaterais do atlas escolar. O sol parecia brilhar com toda a força de seu lume, mas sempre lhe parecera estranho que houvesse tal calor na cordilheira do himalaia. Como sempre, tentou desvencilhar-se da visão etnocentrista, mas sem sucesso. No fundo, pensava que tal força solar combinava com os trópicos, florestas equatoriais, sertão seco e rachado, praias lotadas do verão brasileiro e não conseguia imaginar tais cenas protagonizadas no clima nepalês, que imaginava inóspito.
Tentou se concentrar na atividade. Poderia escrever tantas coisas, a começar pelos motivos que o levaram àquele curso de escrita literária. Mas embora pudesse parecer óbvio a todos, sentiria vergonha ao explicitar o sonho de tornar-se um escritor. Parecia uma tarefa tão grande, como se uma criança se dispusesse a escalar o Everest com equipamentos de brinquedo. Uma ridicularia, uma pretensão que mesmo em seu íntimo mantinha-se sem forma exata; espírito vagando no limbo do pensamento.
Balançou a cabeça como se espantasse um inseto incômodo. Tornou a olhar o papel branco. O bocal da caneta, já roto pela fricção de dentes ansiosos, parecia um chapéu enfiado no cocuruto de alguém ridiculamente magro. Pensou em uma descrição, estrias que desciam elegantes até a ponta minúscula e esférica, grávida de tinta azul, mas também desistiu, tomado pelo medo de que sua ode a uma caneta esferográfica pudesse ser ridicularizada pelos colegas.
Refletiu, enfim, que não importava. Que era preciso de coragem para escrever o que fosse e que, mesmo assim, o escritor penderia sob a espada de Dâmocles. Era o pensamento alheio, que o aterrorizava, o obstáculo que precisava transpor. Assim pensando, decidiu-se. Um dia escreveria o que lhe passava pela alma, aventuras empolgantes e guerras cruentas. Hoje escreveria sobre aquela caneta que tremulava entre os dedos que lhe faziam pinça. Observou-a mais de perto, tomou notas mentais do que diria e pressionou a ponta delicadamente sobre a primeira linha do papel. Finamente escreveria.
Nesse mesmo instante um som agudo estremeceu sua resolução. Soara a campainha que anunciava o fim do tempo e da aula. Invadido por um misto de alívio e frustração, deixou o objeto de sua obra morrer sobre a mesinha de apoio. Haveria tempo, pensou, outras oportunidades viriam. E foi embora, já ansiando pela próxima aula, lamentando que só viessem, no dia seguinte, os próximos cinco minutos em que, finalmente, teria alguma coisa a dizer.

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